quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Romance de Metro

Apesar de possuír carta de condução à sensivelmente meio ano, a entrada para o ensino superior fez-me começar a andar de transportes públicos, nomeadamente o metro, algo do qual não sentia falta alguma posso acrescentar.

Estas viagens de que falo são as que fazemos sem a companhia de amigos ou familiares que permitem ter alguma conversa durante a viagem, mas por outro lado com a solidariedade do leitor de mp3.

Ora o caro leitor(a) aproxima-se da linha amarela ao ver o comboio do metro a sair do túnel, tentando posicionar-se de forma a que a porta fique comodamente à nossa frente e jogamos com as nossas probabilidades, sendo que a maioria das vezes esta não nos favorece. Lá andamos uns poucos metros de correcção de trajectória e entramos na carruagem, procuramos um lugar para sentar porque a viagem ainda é considerável e finalmente encontramos um assento entre uma ternária composta por um senhor de idade obeso, uma mulher com bebé ao colo e alguém com um estilo mais singular.

Fecha-se a porta da carruagem e siga a viagem. Ao som da música do fiel leitor de mp3 os nossos olhos vagueiam pelo local observando os desconhecidos que embarcaram na carruagem mágica e a certa altura encontram uma moça(o) consideravelmente formosa(o). Para efeitos de simplicidade vou continuar com a observação ao sexo feminino apesar de o caso se aplicar a ambos, e para quem é ambos.

Ainda agora saimos da primeira paragem e temos algo interessante para mirar durante o percurso. O objecto do nosso mirar apercebe-se da nossa existência e se também considerar o mirante apetecível de mirar, começa o "Romance de Metro". A troca de olhares dura até um dos participantes abandonar a carruagem (esperemos que por vontade própria e não para fugir à gente), sendo ambos que procuram tácticas para não serem apanhados a olhar, porque olhar fixamente é falta de educação obviamente. Olhamos em distância com essa pessoa no canto do olho, usamos o reflexo do espelho para ver sem ser vistos, fazemos uma rotação de visão a 180º graus para eventualmente visionar tal moça e fugimos com os olhos quando os dela encontram os nossos.
É sempre bom para o ego apanhar do que ser apanhado, por isso por vezes olha-se ligeiramente para o lado e quando nos apercebemos que está a olhar na nossa direcção incidimos com o nosso olhar obrigando-a a uma escapatória rápida mas não subtil para o senhor do lado ou para a publicidade da carruagem. Por sua vez a nossa cara metade do metro faz-se difícil para não ser apanhada e apanha-nos quando estamos um segundo a mais a olhar, ou quando tentamos um hábil relance pelo reflexo do espelho acabamos por dar connosco a olhar directamente nos olhos da presa tornado o caçador no caçado.

É este o jogo de xadrez ocular que jogamos durante as nossas viagens de metro, ou outros transportes públicos, solitárias. Com o tempo a técnica é aperfeiçoada para nos tornarmos em mestres do mirar.

Curiosamente existe uma palavra de origem Yaghan, "Mamihlapinatapai" que reflecte este fenómeno social que é o "Romance do Metro" apesar de aplicável em qualquer outra situação. O significado desta palavra lê-se: "Um olhar partilhado por duas pessoas, cada uma esperando que a outra inicie algo que ambos desejam mas que nenhum quer tomar a iniciativa". Por lá devem ter muitas redes de transportes públicos.

Para terminar queria fazer um pequeno apelo. Se andam de transportes públicos e planeiam estar de pé agarrados às barras superiores, por favor, tenham piedade da humanidade e usem desodorizante!

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